Da elite à distrital em dois anos: como o Beira-Mar afundou


Se você, em tempos pré-internet banda larga, curtia ver os resultados do futebol europeu no bom e velho jornal, naquela mágica página de “resultados internacionais”, provavelmente vai lembrar da existência do Sport Clube Beira-Mar. O time de Aveiro era um dos pequenos mais tradicionais em Portugal, tendo inclusive somado 27 temporadas na elite. Era. Isso porque, depois de cair em 2013, o clube foi excluído das ligas profissionais devido às inúmeras dívidas, jogando, em 2015/16, no nível mais baixo do futebol português: a segunda divisão de seu distrito, Aveiro.

A história é mais uma daquelas que talvez você já conheça. Uma parceira malfadada com um mecenas, dívidas crescentes, resultados ruins em campo... Tudo isso culminou no lugar onde foi parar o Beira-Mar, numa divisão totalmente amadora. Tudo isso exatos cinco anos após o clube ser campeão da segunda divisão profissional.

A parceria com a SAD (Sociedade Anônima Desportiva), do iraniano Majid Pishyar, começou em 2011, no primeiro ano após a volta à elite. Foi uma temporada sofrida, embora o time tenha livrado oito pontos para o primeiro rebaixado ao final da campanha. No ano seguinte, cinco pontos separaram o time da zona de rebaixamento. Em 2013, não houve jeito. A crise fora de campo começou com a venda da 32Group, companhia de Pishyar, ao grupo italiano Pieralisi. O dinheiro encurtou, os salários começaram a atrasar e o time auri-negro venceu só cinco de 30 jogos. Rebaixado na lanterna.


O time do Beira-Mar em 2015/16
Na segunda divisão, o clube até não fez feio, parando no meio da tabela - apesar de ficar algum tempo sem treinar em represália aos constantes atrasos salariais. Ao final da temporada passada, a SAD teve de apresentar planos de recuperação, e encarou várias demissões por salários atrasados. O montante da dívida? Meros sete milhões de euros. “Não existe margem para um plano de recuperação. Temos mostrado, nos últimos meses, que o Beira-Mar vive melhor sem a SAD”, garante o presidente-adjunto dos auri-negros, Nelson Quintaneiro. E ele ainda revela algo curioso: “Desde agosto não há contatos (da SAD) com o clube”.

O Tribunal de Aveiro decidiu, no começo deste mês, pela insolvência da SAD, meses após a sociedade de Pishyar declarar falência. A parceria acabou, mas o clube ficou. No último escalão possível do futebol português. Só que, aos poucos, a tristeza que tomou conta de quem gosta do Beira-Mar vai dando lugar à esperança. A começar pelo estádio.
Há uma década, o auri-negro deixou o seu estádio Mário Duarte para jogar no Municipal de Aveiro, construído para a Eurocopa de 2004 (recebeu dois jogos, incluindo um grande República Tcheca 3-2 Holanda, de virada), e que tem capacidade para 30 mil torcedores. Os torcedores nunca aceitaram totalmente a mudança, e a média de público foi minguando gradualmente.

Beira-Mar tem jogado no seu Mário Duarte para cerca de mil "adeptos"
Para 2015/16, o clube voltou ao seu Mário Duarte, que passou por um processo de revitalização - a SAD, responsável pela manutenção, “abandonou” o estádio por conta dos problemas financeiros. As obras tiveram a ajuda dos torcedores, que hoje comparecem em número de cerca de mil por jogo. Porém, o retorno é por pouco tempo: na temporada que vem, o Mário Duarte, vendido recentemente, será demolido para a construção de uma zona habitacional.

Estádio do auri-negro foi revitalizado com ajuda dos torcedores
Mesmo assim, a simples volta para casa por uma temporada já serve como motivação. “É preciso tornar esta dificuldade em oportunidade e definir, desde já, uma estratégia com o objetivo de, em cinco anos, estar de volta à primeira divisão”, conta Alberto Roque, presidente do Conselho do clube. Ele cita o exemplo do Arouca, que subiu das distritais para a elite em pouco tempo com uma boa gestão.



Após seis jogos, o time é quinto colocado entre 17 clubes. No último fim de semana, conseguiu uma vitória emocionante sobre o Vista Alegre, fora de casa, por 3 a 2. Partida realizada ante um público de duas mil pessoas, num estádio que sequer possuía arquibancadas. Estranho para quem se acostumou a encarar e, volta e meia, surpreender o trio de ferro Porto, Benfica e Sporting. O Beira chegou a 16 pontos, seis a menos que o líder Oiã. Só o campeão sobe direto, enquanto que o segundo colocado vai a playoffs. Não é fácil, mas o auri-negro agora caminha com suas próprias pernas. Como disse Roque, agora o “orgulho voltará a existir no Beira-Mar”.

Fotos: Terra Nova e Mais Futebol
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